Didi se preparando para gravar sua cena

Quantas saudades cabe em uma carta? | Cartas para Didi

Por favor, leia ouvindo: Alceu Valença — Flor de Tangerina.

Amanda Gabrielly
3 min readNov 2, 2023

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Vovó, ainda abro a porta da sua casa e tenho déjà vu sempre. Eu te vejo descendo as escadas com uma peça de roupa no ombro e uma agulha na mão, me parece tão real que se fecho meus olhos eu quase acredito. Quantas saudades cabe em uma carta? Eu perdi tanto tempo quando criança focada nas pequenas incertezas e sentimentos bobos, que sempre esqueci de falar eu te amo. Porque Didi, eu te amo tanto. Os últimos anos têm sido tão estranhos, infelizmente a gente não esquece como o passar do tempo. Nós apenas nos acostumamos e aprendemos a lidar com as partidas, mas confesso que tem dias que são impossíveis.

Muitas pessoas falam que aniversários são terríveis, mas para mim os piores dias são os monótonos, quando uma coisa pequena lembra você. Ou os almoços de domingo do qual a gente sempre te esperava, mas agora você não vem mais.

Queria tanto poder voltar no tempo vovó, queria ter aproveitado mais. Eu era tão criança naquela época que eu nem sabia de fato o que era essa doença, eu só sabia que ela iria te tirar de nós e assim foi.

Todos nós estamos bem, muita coisa aconteceu nos últimos anos, inclusive Jane teve mais dois filhos, o mais novo é tão engraçadinho que até chamo ele de peça boa.

Não sei onde você está agora, mas queria que soubesse que Elionara agora faz direito, futuramente eu tenho certeza que ela fará medicina e a gente sabe que ela se dará bem. Com um tempo a gente percebeu que as pessoas só queriam nos colocar uma contra a outra e resolvemos deixar nossas diferenças de lado. Isabel, Cecylia e Eduarda são umas mocinhas — daqui a alguns dias elas vão estar maiores que todas nós. Vanessa praticamente está se formando.

Queria te escrever essa carta e te falar o quanto minha vida mudou, o quanto eu mudei nos últimos anos, todos nós, na verdade. Lembra que eu falava que iria ser professora? Pois bem! Esse sonho mudou (talvez, nunca se sabe). No ensino médio, eu comecei a fazer um curso de administração que despertou meu lado comunicadora e como a senhora bem sabe, eu amo tagarelar.

Hoje em dia eu faço jornalismo, não sei bem o que você pensaria sobre, porque tudo aconteceu muito de repente. Eu entrei na Universidade e tinha tanto medo do mundo, mas confesso que a minha mãe está certa. Eu realmente sou um espírito livre, tenho sede de viver, de conhecimento e principalmente de desbravar o mundo.

Já sei o que deve estar pensando: o São João. Depois que você se foi ele perdeu a graça e as quadrilhas as quais a gente sempre assistia até o final se acabaram, foram se perdendo com o passar dos dias. Quando te homenagearam uma vez eu só chorava, sei o quanto amava costurar e talvez se a gente pudesse ter tido mais tempo eu teria aprendido e gostado. Minha mãe sente sua falta e tem dias que a saudade pega ela com força, mas ela sabe que tudo acontece como tem que acontecer. Queria que as meninas — assim como eu, Elionara e Vanessa — tivessem tido a oportunidade de ter te aproveitar mais. Quem sabe elas não ficariam até tarde te vendo costurar? Ou elas também iriam viajar todo fim de ano, assim como a senhora e Elionara faziam? Quem sabe né? Mas pode deixar aqui a gente guarda as melhores memórias e contar para elas tudo que a senhora foi e continua sendo para nós. 
 
Com muitas saudades, Amanda

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Amanda Gabrielly

Escrever é como meus sentimentos deságuam em mim, e eu, oceano.